quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O último olhar

Suas mãos tremiam quando Marcos chegou até o balcão... olhou em torno de si, as mesas de latão com seu azul descascado deixavam transparecer a sujeira gordurosa que as recobria e, o balcão de fórmica rosa tinha marcas do pano de trapo que ali tinham passado.
Risos, conversas desconexas... tudo estava como sempre, mas Marcos mal conseguia se equilibrar.
Antes de chegar, na esquina, duas pessoas haviam comentado uma noticia de jornal que dizia ser necessário tirar os mendigos do centro.
Seria verdade? Ele agora, um maltrapilho, não poderia andar pelo centro da cidade? Por que?
Marcos lembrou-se que ao ouvir o comentário sentiu um mal estar... não saberia como reagir se viessem busca-lo. Adiantaria falar que por muito tempo fora cobrador de ônibus e que, aos poucos, sem ganho, sem ninguém terminara ali.
Sem direito a emprego há anos sentia-se agora ameaçado em sua liberdade, com as pernas trôpegas e já apoiado no balcão, lembrou-se de sua mãe.
Uma mulher forte que criara seis filhos, e que ao morrer, semana antes, ao ver Marcos vestido com o uniforme da empresa, sentiu-se feliz, seu filho conseguira sair daquele circulo de miséria em que viviam, teria agora, ao menos um ganha pão.
Três anos depois de sua morte, outra desgraça ---perdera o emprego—tentou ainda ser servente de pedreiro, mas aos quarenta anos não o aceitaram, sem estudo, sem ninguém, deu à beber, um trabalho aqui outro acolá, e o álcool foi aumentando.
Um dia acordou, teve mais trabalho não, pediu... e decaiu de vez, perdendo o barraco e o nome chamavam-no de Zé.
Tudo agora era passado, ali tremendo no balcão e assustado por perder a liberdade, a vinte minutos nada falava, perguntando-se para onde iria. Porque alguém exigiria que lhe proibissem a rua? Não bastava negarem-lhe emprego e suprimir-lhe o nome?
---Zé o que você quer hoje, perguntou-lhe o balconista com a cara amarrotada de pouco salário.
--- Eu... não deu tempo de responder, sentiu um tremor, a mão escapou do balcão, girou o corpo, e antes de fechar os olhos pode ver uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, que o dono do bar a muitos anos colocara em um oratório em uma das paredes do estabelecimento, ao ver a imagem Marcos pode sentir o olhar de ternura da virgem santíssima, assim ele viu quando não mais respirou.
O riso das pessoas, os passos embriagados de quem entrava ou saia, e o restante... ...como sempre!


MENTORE CONTI

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